Conheça projetos que envolvem a comunidade e lutam contra a desigualdade social por meio da culinária brasileira
É possível falarmos de alcachofras, alfarrobas e segurança alimentar? Quando viajo pelo Brasil para conhecer restaurantes badalados, ingredientes, receitas e técnicas inovadoras, muitas vezes me deparo com projetos culinários, com rotas rurais e uma diversidade da culinária brasileira que precisa ser posta à mesa. Por isso toda minha reverência a chefs (cozinheiros) que têm na alma do negócio uma visão da produção sustentável aos reflexos que a comida tem na sociedade, passando claro, por pratos instagramáveis, menus em 4, 6 mãos, e todas as demandas do mercado.
Esta semana o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou os números da fome no Brasil. Realizada por meio de uma parceria entre o IBGE e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, a pesquisa teve como referencial metodológico a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), que permite a identificação e classificação dos domicílios de acordo com o nível de segurança alimentar de seus moradores. Esta é a primeira vez que a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) disponibiliza resultados segundo os critérios da EBIA.
Qualidade Nutricional
Segurança alimentar é um tema muito sério. Refere-se à garantia de acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, garantindo-se a todas as pessoas um estado nutricional adequado para uma vida ativa e saudável.
Segundo os dados coletados em 2023, o Brasil possui 27,6% dos seus domicílios em situação de insegurança alimentar, ou seja 21,6 milhões dos domicílios que não têm acesso constante e seguro a alimentos suficientes e nutricionalmente adequados. A Insegurança alimentar é medida em graus leve, moderado e grave.
Gastronomia e Meio Ambiente
Gastronomia são as “leis do estômago”, a expressão dos nossos hábitos alimentares. E se estamos falamos de hábitos, cultura, estamos falando da origem do que comemos e da função social de tudo isso. Uma empresa possui responsabilidade em contribuir de maneira positiva para a sociedade e para o meio ambiente. Este conceito está enraizado em princípios de sustentabilidade, ética e responsabilidade social.
Ainda que o consumidor não verbalize a necessidade desse encontro entre gastronomia e responsabilidade social, ele cada vez mais busca a curadoria de prêmios sérios que possuem em seu conteúdo as premissas da sustentabilidade ambiental, social e econômica aqui trazidas.
No Brasil, alguns restaurantes badalados e premiados trazem na sua alma a construção de um país menos desigual. O Mocotó, restaurante de comida sertaneja localizado na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, por exemplo, desenvolve projetos com a comunidade. Na pandemia, a historiadora Adriana Salay e seu esposo, o chef Rodrigo Oliveira, proprietário do Mocotó, fundaram a “Quebrada Alimentada”, que transformou o Mocotó em um centro de distribuição de alimentos para pessoas com dificuldades financeiras. O projeto foi vencedor do prêmio The Macallan Icon Award.
Pelo Brasil
Esse é apenas um dos diversos projetos que tem comprometimento e responsabilidade social por meio da gastronomia. Projetos como o Gastromotiva, o Instituto Capim Santo, o Inhac e muitos outros tem se tornado inspiração para restaurantes com propósitos, para empreendimentos que entendem seu papel transformador na sociedade.
O carioca Gastromotiva, restaurante-escola e refeitório comunitário, serve jantares a pessoas com vulnerabilidade social, preparados por jovens talentos da gastronomia e também por chefs estrelados como convidados, aberto ao público. Além disso, no site Gastromotiva.org é possível conferir e se inscrever para diversos cursos na área.
A cultura culinária de Minas Gerais
Outro projeto que vem transformando a vida de diversas comunidades de Belo Horizonte é o INHAC - o Instituto de Hospitalidade e Artes Culinárias que busca reconhecer e trabalhar as excelências gastronômicas de Minas Gerais, potencializando os sabores e saberes tradicionais dos produtos agroalimentares e da cozinha mineira. Uma linda cozinha industrial recebe alunos em situação de vulnerabilidade social e, por meio da culinária, transforma a história de jovens talentosos e muitas vezes sem oportunidade de começar.
Junto ao INHAC, o Centro de Referência do Queijo Artesanal é um espaço multidimensional e imersivo na cultura desse que é um dos principais insumos da cultura culinária e histórica de Minas Gerais. Nosso tour acompanhado da diretora executiva do Instituto e do Centro, Sarah Rocha, nos levou a um restaurante-escola onde provamos um super café da manhã com produtos típicos da gastronomia mineira, como o bolo de queijo com goiabada, creme de requeijão de raspa, os frios de Montes Claros e pães de queijo de um projeto social parceiro.
Dois dados divulgados pelo IBGE me chamam atenção: o cenário de insegurança alimentar grave foi mais expressivo nas áreas rurais do país, e, nos domicílios em insegurança alimentar, 59,4% tinham responsável uma mulher.
Como consumidores é preciso olharmos para o que comemos enquanto produtos saudáveis, de produção sustentável, como também reconhecermos projetos que vão além dos pratos decorados, da crítica muitas vezes sem crítica na fugacidade das redes, da superficialidade que vem transformando tudo no mesmo e assumirmos o nosso lugar na gastronomia responsável. Pense nisso!
Thiago Paes é editor do site PaesPeloMundo, colunista de Turismo e Gastronomia. do UAI Turismo em parceria com Estado de Minas e Correio Braziliense Apresentador no canal Travel Box Brasil e está nas redes sociais como @paespelomundo.
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